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A SOFÍSTICA COMO PARADIGMA REVOLUCIONÁRIO DAS CONCÓRDIAS (ὋΜΌΝΟΙΑ).


    Quando analisamos a história da Filosofia, identificamos o quão diversos podem ser os modos de organização do pensamento (e da linguagem) que, de tempos em tempos, são substituídas e/ou se modificam. Apesar de algumas possuírem origens espaciais diferentes, seus defensores guardam em suas ideias certas “familiaridades” que permitem a criação de nomenclaturas, classificações e até de gêneros textuais.
    Ainda nesta análise, percebemos que um modo de organização do pensamento está ligado ao momento histórico da “sociedade” em que seus divulgadores estão inseridos e que esse é influência direta de como homem irá se comportar, pois a própria história os conduziram (τόπος) a um específico escrever e pensar filosófico.

    Na Grécia, anterior ao século VI a.C., prevalecia (ομόνοια) o uso da poesia e a explicação do cosmo era revelada pelos mitos. De forma simbólica, a poesia correspondia às leis do que há (κόσμος) e ao mesmo tempo era sustentáculo das “leis dos homens” (πολις). Esse caráter holístico da poesia era a base da educação grega (Παιδεία). A poesia, com sua linguagem polissêmica, não possuía compromisso com demonstrações e com a experiência. Pois sua gênese não era o saber (λόγος), mas sim a inspiração divina (ἐκθειασμός) ou através dos oráculos.
    Contudo, nos séculos VI e V a.C., uma nova realidade se constrói nas cidades de fala grega; novas regiões são agregadas ao império e com isto, novas relações com povos distintos e seus modos de pensar. Neste diálogo com o diferente, ideias surgiam e novas perspectivas de vida. O povo passou a questionar a razão de seu destino, de certa forma insatisfeitos com os desígnios dos deuses; o que refletia diretamente no interesse pela vida política. - O povo se reconhece carente de uma justiça pública e do poder exercer a discussão nos banquetes e assembleias, privilégio dos nobres (ὃι αγαθοι).

    Com este quadro podemos compreender a inclinação da sociedade para uma nova significação das coisas e o aparecimento de um novo modo de organização do pensamento. Os chamados filósofos pré-Socráticos erguem suas considerações a fim de saciar uma sociedade que não encontra mais nos mitos, respostas aceitáveis para os seus questionamentos; de igual modo, a sofística e, mais adiante na história, a filosofia nos moldes socráticos, fazem o mesmo.

    Cabe lembrar da análise, não deste momento específico, mas em semelhantes contexto, de Thomas Kuhn, em “A Estrutura das Revoluções Científicas”, onde autor diz que a mudança de um paradigma para outro não ocorre porque um paradigma é melhor do que o anterior, mas sim porque as questões que permanecem já não são mais respondidas pela forma vigente de pensar. Ou seja, um acontecimento na história, muda a compreensão da sociedade sobre algo e assim uma crise surge na filosofia e nas ciências. Deste modo, vemos que apesar de mostrar-se tão distinta da poesia mítica, a filosofia, nutre-se, dos temas e estruturas poéticas, dando um novo caráter ao conhecimento e um novo discurso sobre o que há.
    Porém, diferentemente de Sócrates e seu legado, a Sofística não desejou pavimentar uma hegemonia em detrimento dos demais posicionamentos filosóficos. Por esta causa, em nossa análise, entendemos que a Sofística não pertence ao intervalo mito-razão, mas é o próprio hiato; e este se repete ao longo da história das revoluções do pensamento ocidental. Pois as características desse momento de transição dos modos de organização do pensamento são as mesmas presentes no movimento Sofístico.
Para tal proposta, consideramos em Kuhn:
“As mudanças de paradigma realmente levam os cientistas a ver o mundo definido por seus compromissos de pesquisa de uma maneira diferente. Na medida em que seu único acesso a esse mundo dá-se através do que veem e fazem (grifo nosso), (...) As bem conhecidas demonstrações relativas a uma alteração na forma (Gestalt) visual demonstram ser muito sugestivas, como protótipos elementares para essas transformações. Aquilo que antes da revolução aparece como um pato no mundo do cientista transforma-se posteriormente num coelho.” (Kuhn, 1995).

 

As palavras de Kuhn concordam com:

"Πάντων χρεματον μέτρον ανθρωπον είναι, των μένα όντων ως εστί των δε με όντων ως ουκ έστιν."
Homem é a medida de todas as coisas, das que o são, enquanto o são, e das que o não são, enquanto o não são. (Protágoras, 480 – 410 a.C.).

    A fala do Sofista Protágoras no fragmento acima é mencionada por Teeteto, quando ao dialogar com Sócrates sobre o que é conhecimento, aponta quatro teses, as quais segundo o próprio Sócrates são uma só, conectadas pela assertiva: “Ser é igual a aparecer."
    Para os Sofistas conhecer é sensação/percepção (αισθησις επιθεμε ειναι). A sensação/percepção mostra o ser das coisas ao homem, por isso é possível acesso ao conhecimento. Por isso o indivíduo dá a medida das coisas segundo sua percepção, e outro indivíduo pode vir a perceber algo distinto em relação ao mesmo objeto (αυτό). Este relativismo é o que conecta a fluidez do cognoscível, tal qual num momento pré-paradigmático, o conhecimento está em fluxo quando os métodos comuns começam a produzir resultados anómalos e a proporcionar menor número de soluções credíveis para os problemas. Neste momento não há crédito no paradigma anterior e tampouco perspectivas de novas bases para sustentar o que vem se mostrando inédito. O modelo que esteve na base do paradigma e que, como ideal, constituiu a cosmologia do período, cessa de dominar a práxis da sociedade.

  Para buscar um novo posicionamento e “sanar a irregularidade” dos acontecimentos, assume-se a posição do Sofista. Ou seja, atuar de modo “desinteressado” a quaisquer movimentos manipuladores, dialogar conforme a dialética e problematizar todos os resultados. Agindo como tal, revela-se a “visibilidade das revoluções” e não, conforme os manuais de história da filosofia, uma transição coerente e passiva de um modo de organização do pensamento a outro. Há ali o fazer filosofia em sua melhor definição, porém o que nos foi legado é a negação da possibilidade de antilogias, o que definitivamente não concorda com o “amor ao saber”, mas sim à Sofística.

    Por fim, a contemporaneidade, período onde a dedicação à busca da “verdade filosófica” já não encontra razões para sua existência; jaz sem um deus substituto. Nos encontramos em plena revolução do pensamento e a Sofística tem sido resgatada pelos filósofos contemporâneos. Cabe-nos sofismar (no melhor sentido) atentos ao que pode vir manipular e alicerçar a razão segundo conveniências de poucos e não a homónoiai, conforme ensina a História.
    Concluo dizendo que passamos a compreender como a Sofística excede qualquer rigidez no pensamento, seja filosófica, metafísica ou teológica, visto estas não tem domínio pleno de suas posições, mas afirmam ter; impulsionadas por metalinguagem (portanto não plenamente cognoscível). E que a Sofística, apesar de oculta em diversos momentos da história da filosofia, faz-se evidente de modo conveniente ao presente momento histórico.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PLATÃO, Teeteto. Versão eletrônica do diálogo platônico “Teeteto”. Tradução: Carlos Alberto Nunes. Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia). Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/teeteto.pdf, acesso em 07/12/2014.

KHUN, T. (1962) A estrutura das revoluções científicas. 7.ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2003

Barros, G. n. (18 de 12 de 2014). A liberdade democrática na Grécia clássica - Atenas. International Studies on Law and Education, pp. 57-58.

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